“El juicio” (O Julgamento), realizado por Ulises de la Orden
Em 2022, muitos críticos russófonos elogiaram “Argentina 1985”, um drama sobre o julgamento dos altos funcionários da junta militar, que não hesitou em extrair da história recente deste país sul-americano uma história fundamental para a sua história recente, com a caligrafia espirituosa e espraiada do cinema de Hollywood, privando-o assim do seu verdadeiro nervo. O documentário “Julgamento”, de Ulises de la Ordena, corrige estes erros da cinematografia de massas – o julgamento do General Videla e dos seus comparsas, que mataram dezenas de milhares de argentinos, aparece aqui exclusivamente nos fotogramas da crónica, editada numa tela de três horas, que, ao contrário do seu antecessor de jogos, transmite não só o pathos da punição dos carrascos, mas também as muitas contradições que dilaceram a sociedade argentina e quase quarenta anos depois.
Assassinos da Lua Flor”, dirigido por Martin Scorsese.
Em Oklahoma, nos anos 20, os índios Osage, donos das terras locais, estão a morrer em números suspeitosamente elevados – e um veterano da Primeira Guerra Mundial, interpretado por Leonardo DiCaprio, que se casa com uma rapariga de uma família de nativos americanos abastados, torna-se gradualmente cúmplice deste processo, que dificilmente se pode chamar outra coisa que não genocídio. Ao contar esta história baseada na vida real, o classicista Martin Scorsese chama simultaneamente a atenção não só para a América branca, mas também para o próprio cinema de Hollywood, cuja mecânica contém, desde há décadas, estranhos traços de privilégio branco – uma jogada de realização tanto mais impressionante quanto o próprio Scorsese utilizou as técnicas da Hollywood clássica durante toda a sua carreira.
“Eureka” (Eureka), realizado por Lisandro Alonso
Um dos porta-estandartes do slow cinema no início dos anos 2010, o argentino Lisandro Alonso não faz um filme há quase uma década. E “Eureka” – seu primeiro filme depois de um longo hiato – pode ser considerado, com razão, o filme mais estranho deste ano estranho. Aqui, a estreia de Viggo Mortensen como herói de um western clássico acaba por ser um filme enganador dentro de um filme, uma mulher nativa americana que trabalha como agente da polícia vira do avesso os estereótipos que os westerns clássicos pregavam cena a cena, e a sua sobrinha descobre uma forma de se transformar num pássaro que pode voar não só para as selvas do Brasil, mas para os anos 1970. Uma narrativa desprovida de lógica narrativa, mas um panorama encantador e hipnótico das realidades em que vivem os povos indígenas de todo o mundo – realidades não tanto materiais quanto metafísicas.